sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Direitos da personalidade: delimitação do tema e denominação

O ser humano, em suas relações com os demais indivíduos, desfruta de vários direitos que lhe garantem a defesa de valores básicos, reconhecidos por sua própria condição de pessoa humana tomada em si mesma (direitos individuais) e em suas projeções na sociedade (direitos sociais). São estes, os direitos da personalidade.

Admitem-se neste caminho direitos físicos, psíquicos e morais, que por sua vez protegem, respectivamente, os aspectos externos e internos da personalidade humana e sua projeção na sociedade, sob os aspectos individuais e sociais. São direitos reconhecidos em defesa de valores inatos ao homem, como a vida, a liberdade, a integridade física, a honra, a intimidade, entre outros.

Embora hodiernamente consagrados pela lei, doutrina e jurisprudência, seu progresso foi conquistado a duras penas, inçado por dificuldades de caráter ideológico, chegando determinados autores a negar-lhes mesmo a existência, com base na ideia de que, havendo direitos do homem sobre a própria pessoa, justificar-se-ia o suicídio.

Rubens Limongi França (1999, p. 936) critica o “extremismo em que descambam”, pois esta afirmação importa em “fazer tábua rasa da própria finalidade do Direito” que existe para permitir à pessoa “seja aquinhoada segundo a justiça com os bens necessários à consecução dos seus fins naturais. Ora, o extermínio da vida pelo suicídio é a própria negação disso, é a coarctação da causa final do Direito.”

Sua própria denominação é também polêmica. A expressão bens essenciais da personalidade é defendida e utilizada pelos doutrinadores jurídicos, às vezes, precariamente, mas reconhecendo, na sua maioria, a expressão direitos da personalidade, em nível nacional[1] e internacional[2]. O Código Civil espanhol somente alude a esta denominação no art. 162[3], reformado pela Lei de 13 de maio de 1981. É a partir da Lei nº 1 de 5 de maio de 1982, a qual dedicará uma detalhada explicação posteriormente, donde se alude expressamente em seu preâmbulo aos “direitos da personalidade”.

No Brasil, a relevância dos direitos da personalidade alcança tamanho grau que os levam à proteção constitucional, como se pode constatar no art. 5oda Constituição da República Federativa brasileira de 1988:

Art. 5o[...]
III. ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV. é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI. é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;
X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII. é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XV. é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
XVI. é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XLIX. é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LIV. ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LXV. a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária [...]

Além disto, a questão fustiga a polêmica em torno dos artigos constantes do Capítulo I: Da Personalidade e da Capacidade, acoplado ao Título I: Das Pessoas Naturais, do Livro I: Das Pessoas, do Novo Código Civil brasileiro. O art. 2º do Código Civil, ao anunciar que a personalidade, a pessoa, começa com o nascimento com vida, assegura os direitos do nascituro desde a concepção. Entretanto, conforme a elaboração doutrinal e jurisprudencial posterior, foi-se acentuando a ideia do reconhecimento e proteção de certos atributos jurídicos inerentes ao homem, chamados direitos da personalidade em sentido estrito, próprios à pessoa natural, com extensão aos nascituros.[4]


[1] Veja-se, por todos: DINIZ, 2002, v. 1, p. 117-136; GOMES, 2000, p. 141-164; MONTEIRO, 2003, v. 1, p. 96-99; RODRIGUES, 2002, v. 1, p. 61-75; PEREIRA, 2000, v. I, p. 141-160.
[2] Veja-se, por todos: DE CUPIS, 1961. 337 p.;BORDA, 1976, p. 175-178; LACRUZ BERDEJO, 2000, v. 2, p. 35-36.
[3] O art. 162 do Código Civil espanhol, no que se refere ao tema em discussão, dispõe: “Los padres que ostenten la patria potestad tienen la representación legal de sus hijos menores no emancipados. Se exceptúan: 1º. Los actos relativos a derechos de la personalidad u otros que el hijo, de acuerdo con las Leyes y con sus condiciones de madurez, pueda realizar por sí mismo”.
[4] O juiz do Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, Euclides de Oliveira estende ao nascituro a aplicação dos direitos da personalidade (OLIVEIRA, 1998, p. 30-31). Também: ALMEIDA, 1983. 370 p.

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